quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Dois tempos de Edgar Morin em São Paulo

O destino como causa maior

Da aventura do homem que começou há milhões de anos até a nossa era planetária ambivalente e polivante há razões de sobra para des-esperar e esperar; esperar o improvável, a incertitude, é a conclusão de Edgar Morin, fechando o ciclo do Seminário “Universo do Conhecimento” – A humanidade no séc. XXI, promovida pela Universidade São Marcos, em parceria com o SESC Pinheiros, em dezembro de 2007.
Por que a incerteza com relação ao futuro da humanidade?
Fazendo uma retrospectiva, Morin resume a existência humana em três eras planetárias. A primeira, lembrando que o homem não nasceu de uma só vez, do erectus ao homo sapiens, a sociedade era pouco numerosa, sem hierarquias, sem aldeias, sem cultura. A segunda através da colonização e a comunicação entre os diferentes pontos do globo, com uma Europa dominando longa e duramente outros povos, mas também um dos primeiros núcleos de idéias humanistas. E a terceira era planetária iniciada em 1989, 1990, denominada de mercado mundial, a etapa da globalização, com desenvolvimento inédito das comunicações e o encontro das mestiçagens, das culturas, sob o predomínio de padrões saídos da civilização européia se espalhando pelo mundo.
O paradoxo maior desta era planetária estaria em não respeitar as resistências de civilizações antigas e religiões profundamente arraigadas, como no caso do Irã, que mantém as suas bases culturais e religiosas e ao mesmo tempo absorve toda a tecnologia, inclusive armas de destruição. São antagonismos, segundo Morin, que provocam constantes ameaças entre estados e religiões, uma era única e múltipla, unificada e fragmentada, com economia de mercado sem controle, desregulamentado.
Outro erro estaria na idéia de um segundo rosto do humanismo desde Descartes, de que cabia ao homem conquistar a natureza com o maior rigor possível, e assim no transcorrer do século passado a biosfera foi se sufocando com a exploração impiedosa. Muitas outras são as ameaças lembradas por Morin, todas elas apresentando fenômenos inversos, entre o positivo e o negativo, como a lógica das máquinas, o prolongamento da vida humana, o controle dos cérebros tão rico de promessas e outras ameaças. São antagonismos criando um universo em estado de caos, de crise planetária, com gestação de modas e formas mutantes.
Por isso o futuro é de incertezas porque pequenos movimentos, às vezes aleatórios - como explica a teoria do caos - podem ganhar grandes dimensões e assim aguardar o improvável, diz Morin. Ele ilustra a idéia com o exemplo do nazismo em 44, que parecia se tornar vitorioso. No entanto, bastou a entrada dos americanos na guerra para o improvável se transformar em um acontecimento que reverteu uma continuidade antes prevista.
Um dos princípios da esperança na humanidade, segundo o pensador, continuaria nas mãos dos jovens. Se os jovens hoje acham que estão sem causa e que não há mais o que inventar, Morin acredita que a causa maior é o seu próprio destino.

Compreender o outro em Morin

Pensando na constância da incompreensão do outro, Edgar Morin, ao final da palestra, na abertura dos debates, enfatiza e fortalece a idéia da criação de uma cultura psíquica para a criança com a implantação de uma nova disciplina nos currículos escolares com o objetivo de minimizar o exacerbado individualismo ocidental, através da aprendizagem sistemática para um convívio de entendimento desde a infância.
A relação com o outro é realmente conflituosa, cheia de desentendimentos e ruídos. Compreender é algo que o ego desconhece quando se trata de demonstrar com quem está a razão. Podemos até compreender uma terceira pessoa, desde que o assunto não nos diga respeito, mas quando estamos envolvidos dificilmente cederemos porque abrir mão de certezas subjetivas seria uma forma de deixar transparecer fraquezas e dúvidas, e o ego é orgulho, é egoísmo, uma capa protetora contra feridas e submissões.
A partir dessas relações de conflito onde a incompreensão cresce, diz o pensador, existe esse mesmo círculo vicioso se estendendo para além da relação “eu tu”, ecoando da mesma forma numa sociedade, num país e nas relações entre os povos, onde as diferenças étnicas e religiosas criam climas de ódio, persistindo invasões e guerras entre fronteiras. De família judia, Morin torna-se esse outro incompreendido, inoportuno e ofensivo quando entende causa e sofrimento palestino.






Com o seu mais recente livro “Diário da China”, o vigoroso Edgar Morin de 86 anos, publicou em 1977 o primeiro livro da série “O Método” dando início à teoria da complexidade. É autor de dezenas de livros, entre outros sobre educação, como “Cabeça Bem-Feita” e “Os sete saberes necessários à educação do futuro”.