sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Os intocáveis sociofugidios

Seguindo as reações comportamentais das pessoas com relação ao meio ambiente, o médico Humphry Osmond (apud Hall) teria observado, na década de 50, que assim como nos locais destinados às salas de espera das ferrovias as pessoas tendem a se manter mudas e afastadas, outros locais seriam os responsáveis pela irresistível atração entre seus ocupantes de permanecerem ali por horas, como nos cafés com mesas ao ar livre. Osmond (*) designaria os primeiros de sociofugidios e os locais onde as pessoas tendem a se manter unidas de socio-petalados.
Mas o que é sociofugidio numa cultura pode ser sociopetalado em outra, dependendo da utilização desses espaços além da subjetividade fortuita e aleatória do instante. Na obra “Dimensão Oculta” o antropólogo T. Hall procede a uma ampla investigação sobre a diversidade do uso dos espaços ocupados pelo homem observando pontos em comum correspondentes a cada etnia e cultura. Os árabes, como se sabe, necessitam de moradias com amplos ambientes com tetos altos e uma vista para a natureza, já os japoneses, mais modestos, utilizam em suas residências simples biombos para separar os cômodos.
Mas antes da cultura há aspectos intrínsecos e biológicos relacionados à necessidade de espaços que demarcam a territorialidade de cada indivíduo, um balão invisível envolvendo o homem para delimitar o seu espaçamento, para a manutenção do equilíbrio psicossomático. Com o dimensionamento caótico das cidades surgem as desorientações no espaço e o ser psicótico, uma constante invasão territorial e gravitacional dos corpos aumentando a ansiedade. Claustrofobia e pânico, entre outras, são doenças da urbanidade que levam as pessoas a simular no próprio corpo o processo da morte iminente.

Entre os corpos
Além dos espaços que compõem os ambientes, T. Hall investigou os graus de proximidade entre os corpos que correspondem às distâncias íntima, pessoal, social e pública, existindo em todas elas as fases próximas e afastadas. Nas distâncias sociais o que conta é a classe social, a hierarquia, os discursos sociais, e o grau de importância das pessoas. Na distância pública o estilo é formal, o orador pensa como o movimento, textos exigem planejamento e os detalhes de pele, cor dos olhos, não são visíveis, guardando distâncias ainda maiores para figuras públicas importantes.
Mas é na distância íntima, ou na não distância entre os corpos o nosso foco de interesse sobre sociopetalados e sociofugidios. É nessa quase ausência de distância que surgem os toques, os contatos, o alto grau de aproximação, o recuo de desaprovação, ou um pequeno afastamento. Nesse caso a percepção consciente parece ficar alheia, a não ser que passemos à observação dos detalhes da cena, quando a delimitação desses espaços informais é iniciada exatamente no término na pele.
Sem levar em consideração os latino-americanos, T. Hall genericamente categoriza o grupo ocidental como de não-contato, aplicando-se aqui a denominação de sociofugidio, oposto aos árabes que necessitam dos abraços que mais parecem apertos, de empurrões em lugares públicos que não são em hipótese alguma grosseria, e os hálitos que são lançados ao outro como uma maneira de se envolverem mutuamente, verdadeiros sociopetalados.
Mas entre ocidente e oriente há sociopetalados e sociofugidios no convívio diário, há indivíduos que não gostam de intimidades com os outros, que não suportam a proximidade das pessoas. Não se trata aqui de timidez ou embaraço social que podem eventualmente ser também características dos sociofugidios. São reações gestuais típicas de repulsa à aproximação, do contato, não de um alter específico, mas dos outros todos quantos se aproximam para com o tato trocar matérias na recepção das ondas sensitivas de variações de temperatura, da sensibilidade ao toque, de onde exalam os odores das reações químicas provocadas pela emoção, imperceptíveis há muito tempo pelo olfato.
Sociofugidios como que ameaçados à aproximação, reagem na maioria das vezes de forma brusca à iminência dessa mistura de mãos e abraços. Sentir umidade, temperatura e hálito são ventos indesejáveis que ao invés de afeto e ampliação de consciência ficam reduzidas a uma intromissão de intimidades. Como num sopro sensitivo o pelo eriça felinamente ao contato que o outro tenta estabelecer, e então um sutil recuo do corpo para a não mistura, para o não odores, para a não troca de fluxos de acontecimentos compelindo o intrometido a se afastar. Sociopetalados muito provavelmente já receberam um leve “não-me-toques” com uma pequena resistência corporal para manter a distância delimitada que o sociofugidio exige.
Não é um não gostar, é um não gostar de corpos se contaminando. É nesse sinal de memórias ocultas e fixas, não circulantes, que a personagem em fuga constrói a barreira paralisante para um dos fluxos da comunicação.

* Os termos sócio-petalados e sócio-fugidios parecem pertinentes e, no entanto, não se fixaram no tempo como a palavra psicodélico, neologismo do mesmo autor para designar as alucinações ou visões, geralmente coloridas e fragmentadas que as drogas como o LSD provocam.



Referências:
CHARRO, Maria Helena. Gestos: Fenomenologia dos Corpos. TCC Pós-graduação, lato sensu, Facásper, julho, 2007.
HALL, Edward T. A Dimensão Oculta. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1989.
MARCONDES FILHO,Ciro. O escavador de silêncios. Formas de construir e de desconstruir sentidos na Comunicação. São Paulo, Paulus, 2004.

Entre a docência e o “diálogo impossível”

Revelando seus próximos projetos o prof. Ciro Marcondes Filho, em curta entrevista, fala um pouco sobre a relação professor-aluno e dá algumas sugestões para quem quer enveredar pelos caminhos da docência. Considerado entre os acadêmicos como o filósofo da Comunicação, Ciro é jornalista e sociólogo com doutorado em Frankfurt na Alemanha. Publicou dezenas de livros, entre eles “Escavador de Silêncios” e “Perca Tempo”. É professor há 33 anos e titular da disciplina Teoria da Comunicação na ECA, USP.

Abaixo a transcrição da entrevista concedida em novembro deste ano:

Helena Charro - Como encara a docência.
Ciro Marcondes Filho – Uma atividade nobre: intervir num momento decisivo de formação intelectual e pessoal do aluno, abrindo-lhe horizontes.
hc - Como é a relação professor/aluno.
cmf – A relação é a de criação do caos, questionamento de saberes e valores assentados e proposição de novas formas de ver e sentir o outro e as coisas.
hc – Gostaria de modificar alguma coisa no curso de graduação ou na instituição?
cmf – Modifico todos os semestres: texto básico, esquema de avaliação, relação professor/aluno.
hc – Há boas chances de emprego para os alunos que se formam na ECA?
cmf – Não necessariamente naquilo que eles se formaram, mas, no geral, eles encontram emprego.
hc – Professor, filósofo, escritor, coordenador do núcleo José Reis, idealizador e coordenador do grupo especial de estudos da “filocom”, há ainda outros projetos?
cmf – Sempre haverá projetos; sem projetos não há trabalho intelectual. Após a “Nova Teoria”, que durou 20 anos, há o projeto “Homem/Mulher: O diálogo impossível”.
hc – Sugestões para quem quer ser professor universitário:
cmf – Seguir o exemplo dos grandes pensadores: valorizar a busca do saber, a persistência, a independência teórica e intelectual; mudar sempre, buscar continuamente a inovação, os novos olhares, a criação: respeitar o aluno, ouví-lo, vê-lo, dar-lhe voz, acompanhá-lo. Ser mais amigo que professor, estimular sua discussão, torcer para ele excedê-lo. Não submeter-se a igrejinhas acadêmicas, não eleger nenhum autor como insuperável, não se desprezar enquanto capacidade e potencial. Acreditar a si mesmo. Ser bom, generoso, solidário, acolhedor.