La máquina antropófaga es
una máquina (maquinofagia) que desestabiliza desde la espacialidade de los
márgenes y el afuera la cultura substantiva y con mayúscula. Es una
virtualidade... Tan falsa como el simulacro copia y, en esa falsa copia, perde
los origenes del referente y de la metafìsica de la presencia. Victor S. Echeto
y Rodrigo Browne Sartori
BAITELLO Jr, N.; BROWNE SARTORI, R.; SILVA ECHETO, V.
(Orgs.) La maquina antropófaga. Experimentaciones em comunicación e imagen.
Valencia: ArCiBel Editores, 2013. 161
p.
Deixemos de lado a coleção de teorias da comunicação
enfadonhas, áridas e uniformes, bem ao gosto daqueles que não exercitam
pensamento e criatividade.
Ao sabor de provocações e movimentos
de resistência à redução dos estudos da comunicação relacionados à recepção,
tecnologias de informação e seus gadgats,
há pesquisadores do campo comunicacional que eliminam fronteiras entre
disciplinas enriquecendo e exercitando o debate e reflexões sobre as origens
ontogenéticas e filogenéticas da comunicação e da cultura, além de buscar
transversalidades nas artes, filosofia, literatura e na antropologia.
Alguns desses pesquisadores estão na
obra “La Maquina antropófaga –
experimentaciones en Comunicación e Imagem”, lançada no início de abril
deste ano, na Universidade de Playa Ancha, Chile; organizado por Norval
Baitello Jr, Rodrigo Browne e Victor Silva Echeto. A publicação, com 161
páginas, faz parte da Coleção “Comunicaciones Nómades”, editora Arcibel de
Sevilha, Espanha, trazendo, logo na primeira página, o compromisso de ambular,
entrar nos labirintos do conhecimento para apresentar ensaios sobre Comunicação
e Cultura.
Nessa obra em particular, existe,
entre os onze autores, um pensamento movente de rebeldia e de transgressão para
a investigação da Comunicação e da Cultura, invocando-se escritos e obras de
Vilém Flusser sobre imagem e fotografia, a subserviência às máquinas regrando e
uniformizando a cultura, o movimento antropofágico brasileiro e seus
desdobramentos para outras gulas neovanguardistas, até culminar na máquina
antropófaga. Da orgânica e fecunda relação entre os artigos e seus autores há o
gérmen de uma teoria da comunicação como teoria crítica da cultura. E este é,
segundo os editores, a natureza central desse projeto de pesquisa, condensado
no livro “La maquina antropófaga”.
Como um lema, um mote para
apresentar os autores da obra “La Máquina
Antropófaga”, recorre-se ao artigo de José Eugenio de Menezes (pgs.73 a 80)
sobre escritos de Vilém Flusser a respeito de conversações. Conversações entre Flusser
e seus interlocutores brasileiros e estrangeiros, tendo como cenário o terraço
de sua casa no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Nos idos de 19..., Flusser, o
eterno migrante, reservava os finais de semana para transformar seu terraço em
palco de acaloradas conversações, diálogos e debates, formando espontaneamente aqui
e ali pequenos e grandes grupos onde surgiam os mais ousados e criativos
pensamentos, além do esperado engajamento político que o momento social e
cultural do país exigia, conforme relato de Menezes.
O livro “La máquina antropófaga” guarda similitudes com as vozes soantes do
alvoroçado terraço de Flusser. Os autores ambularam entre países e regiões,
investigaram, fuçaram arquivos esquecidos e os pleitearam para torná-los
públicos. Apresentaram suas propostas em discussões, seminários, diálogos,
trocaram enfim conhecimento, e o ambiente final dessas conversações é o
concreto do papel, em que os autores, escrevendo cada um na sua língua mais
próxima e familiar, geraram uma obra trilíngue: espanhol, português e inglês,
sem traduções. Esses textos, no conjunto, evocam o pensamento nômade, movidos
pelo fio condutor dos escritos de Vilém Flusser, e pela reflexão
crítico-cultural de nosso tempo. A obra está dividida em duas partes, além do
“intermédio” e o Epílogo.
Na
primeira parte, intitulada “De los
antropófagos paulistas al devorar culturas de Vilém Flusser”, a tônica da
antropofagia se desdobra: de um lado as
máquinas devoradoras e de outro o movimento antropofágico brasileiro que contém
em si mesmo o guerreiro que devora o inimigo, o homem colonialista, ideia
extraída de conceito de canibalismo ritual, conforme Baitello Jr, às páginas
40: “A atitude canibal ou antropófaga é a
manifestação de uma força primitiva que recusa com veemência a passividade e a
acomodação bem comportadas”. A primeira parte investiga inclusive os
movimentos da arte europeia, o barroco e seu antiesteticismo no Brasil, e a atual
castração da arte e da cultura com a chegada de gestores, administradores e
fundos de fomento, de acordo com Victor Echeto. Há ainda artigo sobre a Bienal
em São Paulo como local de afirmação da arte brasileira; a ideia de Vilém
Flusser sobre o “funcionário” programado pelo programa das máquinas, este
último apresentado no artigo de Baitello Jr. Há a presença de aranhas, vampiros
e amebas e suas lendas sobre devoração e digestão; e a reflexão sobre as
políticas do comer e o que se passa com o intestino. Os textos, entrelaçados,
nos convidam a citar nominalmente cada um de seus autores na mesma ordem de
aparição. São eles: Victor Echeto, Rodrigo B. Sartori, Vinicius Spricigo,
Norval Baitello, Rainer Guldin, Eugenio Menezes e Valentina Bulo.
No “intermédio”,
às páginas 93, outra surpresa. O antropólogo Juan Carlos Olivares, da
Universidad Austral de Chile, apresenta uma crônica descritiva de sua viagem e
iniciação sagrada na Sociedade Mapuche – Williche, do sul do Chile. Vale a pena
conferir o trecho inicial desse nomadismo poético, considerado pelo autor como convivência
pós-moderna:
“Esse dolor le
desgarró el imaginário, errar em la inmensidad de la vida, el plumerio de la
sangre & el ojo de vidrio azul, su nombre & su aliento, la olorosa. Los
espejismos sobre el asfalto son los fantasmas de nuestra memoria. Antropologo
on the road...”
A segunda parte, intitulada “De la Antropo a La ontofagia. Devorando las
Artes, la Filosofia y la Comunicación”, contém mais quatro artigos com os
seguintes autores: Álvaro Cuadra, Malena Segura Contrera, Carolina Norambuena y
Mauricio Mancilla e Ricardo Viscardi. Ali, utilizando citações das mais
diversificadas áreas do conhecimento, os autores refletem e levantam questões
sobre as imagens, como o artigo de Malena Segura Contrera sobre o paradoxo
entre violência e sedação do olhar, trazendo a consequente transformação da
função do jornalismo hoje. Há artigo sobre o homo sapiens metamorfoseado em homo
videns, o grande olho(?), além de estudo ensaístico filosófico entre homens
e máquinas, e a concepção das tecnologias da informação como poder de dominação
e controle do outro.
Ao final, no epílogo, texto integral
de Vilém Flusser sobre a Gula e os famintos, seus pecados e perversões,
publicado no Estado de São Paulo em 1963, no Suplemento Literário.
Um convite à leitura desta obra
múltipla e diversa.