quinta-feira, 23 de agosto de 2007

A PRESA OU OS GESTOS DO DESPREZO


Traçando o seu destino, a presa aguarda ser pega ali dentro, embrulhada naqueles tecidos de cores italianas do xadrez dos guardanapos das cantinas. Seus pés podem ter ficado para fora, um fio de cabelo pode tê-la traído. Mas não, João Pedro cheira e ouve animal. Ele não a vê, mas a sente presente. Com as unhas, instintivamente levanta o guardanapo, tira os panos encharcados do calor do corpo, e vagarosamente a desnuda em cima da mesa. A pele se eriça, os pelos levantam, formam-se grãos de areia, texturas infinitas vão surgindo ao contato das garras.
João Pedro já tinha sentido o cheiro da presa provocado pelas gotas que saíam daquele corpo traído. Ele reconhece seus instintos. São afiados e mortais quando a noite cai: fica faminto, o pulso acelera, a respiração é profunda e ofegante. Um abandono aos instintos, troca de identidade, uma corredeira no curso normal das águas. Vibrações conhecidas. Dor e prazer e a transformação se avizinhando, se libertando. Então ele fica animal. Cheira animal. Ouve animal. É fácil encontrar a presa. Ela transpira, exala o odor do medo, e aos poucos vai perdendo suas forças, folha caída, sem destino, deslizando ao sabor do vento. Entrega-se ao seu destino.
Mesmo fraco, o corpo retoma a esperança, dá sinais de vida, estremece à proximidade do caçador, e percebe o seu abrigo falho, fácil de ser desvendado. Pigmaleoa, deixa para trás a primeira pele, quer sedar, envenenar para a urgente fuga. Ele troça da sua fraqueza e ingenuidade. Mais do que abatê-la ele quer sodomizá-la. Provocar o prazer da dor. Sente-se embriagado, sem freios com as suas frágeis e perfumadas escamas da presa. Com a língua viscosa e faminta, lambe-lhe a terceira pele tatuada e o bico dos seus seios inflam e endurecem com um arrepio... É o início do êxtase. Não menos que lobo, a proximidade quase chega a um gozo. Máscaras caem e outra se sucede. Um corpo sem limites.
Completamente à mercê, a pigmaleoa se deixa levar pelos intermináveis e grossos lambidos da fera. Exausta, ela aguarda...., Sem motivo aparente ele a vê sem enxergar, veste uma outra pele, uma gélida e distante roupagem. Com o gesto do desprezo, o homem, não mais fera, a abandona desnuda ali mesmo em cima do xadrez do pano da mesa.
Incrédula.

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