sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A Comunicação como Acontecimento

Com a preocupação de diluir estruturas, desconstruir revelações engessadas no campo acadêmico da Comunicação, o professor Ciro Marcondes Filho, filósofo da comunicação na ECA, USP, introduziu o seu novo conceito sobre Comunicação e o seu não método, o Metáporos, em palestra proferida no seminário de Interprogramas na PUC em São Paulo*.
Segundo Ciro Marcondes há um impasse ontológico na área de Comunicação porque há quase 40 anos trabalhando como professor e pesquisador nessa área, considera que nunca se pesquisou sobre a própria Comunicação. Esta disciplina tem sido um simples rótulo, um cruzamento com outras áreas como sociologia, antropologia, política e economia. Segundo ele, para consolidar um saber é necessário colocar inicialmente o que vem a ser Comunicação, qual a sua primeira natureza com um método entrelaçado ao objeto de estudo.
Desde a década de 70 as Faculdades de Comunicação Social no Brasil têm crescido num ritmo vertiginoso. Em 99 eram 263 faculdades oferecendo 365 cursos de graduação, entre eles publicidade, jornalismo, relações públicas, rádio e tv, cinema, produção editorial e comunicação social (2). A proliferação da mídia linear e em rede acabou por se consolidar e está incorporada no hábito dos cidadãos, quer seja no trabalho, na cultura, no entretenimento. A procura pelos cursos de comunicação, portanto, além de ser um atrativo aos jovens para se inserirem nesse texto tecnocultural mágico e mesmo transformador antropológico da sociedade contemporânea, é também uma questão de demanda.
As interfaces com outras disciplinas, da mesma forma, ganharam contornos expressivos na pesquisa de campo e sua conseqüente produção acadêmica. Assim, a transdisciplinaridade ganha força para o seu aperfeiçoamento também na reprodução e na sua aplicação (2), não apenas para o campo da comunicação, mas transitando entre as diversificadas ciências. Mas não só, o verdadeiro pesquisador, o investigativo e farejador que não encontra respostas suficientes para seu objeto de pesquisa dentro das ciências humanas e sociais, percorre outras ciências como a matemática, a física moderna e as neurociências. Como tantas outras teorias, a de Gaia que postula a Terra como viva, surgiu dos trabalhos do químico especializado na química atmosférica James Lovelock com a pesquisadora científica em microbiologia Lynn Margulis (3). Não se pode esquecer ainda que a literatura catalogada nas livrarias como esotérica, tem sido cada vez mais consultada por pesquisadores que ousam ao não científico.
E é da conjunção, da união da diversidade do conhecimento que Marcondes Filho propõe a sua nova teoria da Comunicação, para nortear estudos de caso e investigação, que dê curso “um sonho de ciência mutante, que se transforma a cada momento e que, nem por isso, perde seu rigor e sua capacidade de construir saberes (4) no prelo.

A Teoria da Comunicação e o Metáporo

O que é comunicação? Segundo Marcondes, é pueril afirmar que comunicação caminha linearmente de um ponto a outro, entre o receptor e o emissor, por um determinado canal, por onde passa uma determinada mensagem. A comunicabilidade, ao contrário, seria etérea, estaria num continuum amorfo atmosférico, nômade, sem definição de espaço, um incorpóreo, um fluxo, uma nebulosa, sem previsão de chegada e sem tempo definido. Segundo o autor há três níveis de comunicação: o primeiro seria uma simples sinalização, no segundo nível entraríamos na informação, e apenas no terceiro patamar teríamos a comunicação, que não apenas informa, mas transforma. A teoria da informação visa o controle do outro, informar-se para se abastecer, para manter o que você já tem consolidado, ao passo que no terceiro nível encontramos o acontecimento comunicacional, sem objeto delimitado, um objeto que é novo, ágil, cobrando do procedimento investigativo uma atitude igualmente dinâmica, que seja um objeto transitório, assentado no movimento. Comunicação é, portanto, "um acontecimento que produz o novo. A emergência do nunca-antes-dado, daquilo que marca o inusitado, o inesperado, o incomodante, o perturbador, o irritante” (4). É um acontecimento que me transforma e que incorporo, diz o autor, e é precisamente nessa transformação que o sentido surge extrapolando o campo da língua, possibilitando o acesso ao que não se possui. O investigador, por outro lado, precisa poder se misturar nesse acontecimento, onde o eu se desfaz, liquefaz nos acontecimentos e nos fatos. O procedimento de estudo e investigação deve ter um percurso igualmente nômade, que vai atrás dos fenômenos como produtos de um jogo de acasos, andar sem metas, utilizando, como ele diz, as metáforas de “Alice no país das maravilhas”, um caminhar errático, não traçado. Esse o não método, que varre o caminho viciado, a repetição, e na sua errância vai abrindo suas passagens em busca de algo, como Alice segue atrás do coelho branco, exigindo que o investigador esteja imerso e vivencie o acontecimento, e onde o estranhamento persista no seu estranhamento (4).
Não existe modelo de verdade e as normas científicas existem para serem burladas, diz Marcondes. E a questão comunicação, o saber comunicacional sob esse novo paradigma pode continuar a incomodar.

P,S, As intervenções da platéia sobre a teoria e o metáporos foram modestas. Não se sabe sobre os bastidores.
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*V Interprogramas (proposta do pesquisador L. Martino da UNB), sediado na PUC-SP, no dia 28 de outubro de 2008.
Veja mais: http://mclpublica.blogspot.com/2008/10/interprogramas.html

(1) CANEVACCI, Massimo. “Polifonia dos Silêncios”. In: Matrizes 2 – Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da USP. Abril de 2008.
(2) LOPES, Maria Immacolata Vassallo de. “Sobre o Estatuto disciplinar do campo da Comunicação”. Epistemologia da Comunicação. Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 2003.
(3) CAPRA, Fritjof. A teia da vida. Cultrix, São Paulo, 2006.
(4) MARCONDES FILHO, Ciro. A Razão Durante. São Paulo, 2009, no prelo.

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